"Bernardo, rapaz de 18 anos, conhece Alice em um show de Los Hermanos em uma casa noturna. Após conversarem um pouco, resolveram dirigir-se a um motel e ali, de forma consentida, ele manteve relações sexuais com a moça. Entretanto, Bernardo descobre que a jovem, na verdade tinha apenas 13 anos, e que somente conseguiu entrar no Show mediante apresentação de carteira de identidade falsa. E agora?! Como deve ficar a situação de Bernardo se acusado de estupro de vulnerável?"
O art. 217 – A do Código Penal Brasileiro proíbe a conjunção carnal e a prática de outros atos libidinosos com menores de 14 (catorze) anos.
No que diz respeito à idade da vítima, para que ocorra o delito, o agente, obrigatoriamente, deverá ter conhecimento de ser ela menor de 14 (catorze) anos, pois, caso contrário, poderá ser alegado o chamado erro de tipo que, dependendo do caso concreto, poderá conduzir até mesmo à atipicidade do fato, ou à sua desclassificação para o delito de estupro, tipificado no art. 213 do Código Penal. No caso hipotético apresentado, se as provas existentes nos autos conduzirem para o erro, o fato praticado pelo agente poderá ser considerado atípico, tendo em vista a ausência de violência física ou grave ameaça.
Sobre o tema Guilherme de Souza Nucci faz os seguintes apontamentos: É preciso atenção para detectar eventuais casos de erros escusáveis, que levam à absolvição do agente. No contexto do erro de tipo, torna-se possível que o agente imagine ter relação sexual com alguém maior de 14 anos, embora seja pessoa com 12 ou 13 anos, mas de compleição avantajada. Se o engano for razoável, impõe-se o reconhecimento do erro de tipo escusável (art. 20, caput, CP). Por outro lado, torna-se viável que o agente, pessoa simples, sem cultura, jamais imagine ser vedada a relação sexual com doente mental. Mantido o relacionamento sexual, é preciso verificar se houve erro de proibição escusável. Assim constatado, o caminho é a absolvição (art. 21, caput, CP).
Cleber Masson em seu Código Penal Comentado explica que erro de tipo essencial pode ser escusável ou inescusável.
a) Escusável, inevitável, invencível ou desculpável: é a modalidade de erro de tipo que não deriva de culpa do agente, ou seja, mesmo que ele tivesse agido com a cautela e a prudência de um homem médio, ainda assim não poderia evitar a falsa percepção da realidade sobre os elementos constitutivos do tipo penal;
b) Inescusável, evitável, vencível ou indesculpável: é a espécie de erro de tipo que provém da culpa do agente, é dizer, se ele empregasse a cautela e a prudência do homem médio poderia evitá-lo, uma vez que seria capaz de compreender o caráter criminoso do fato. A natureza do erro (escusável ou inescusável) deve ser aferida na análise do caso concreto, levando-se em consideração as condições em que o fato foi praticado.
O erro de tipo, seja escusável ou inescusável, sempre exclui o dolo. De fato, como o dolo deve abranger todas as elementares do tipo penal, resta afastado pelo erro de tipo, pois o sujeito não possui a necessária vontade de praticar integralmente a conduta tipificada em lei como crime. Os efeitos variam conforme a espécie do erro de tipo. O escusável exclui o dolo e a culpa, acarretando na impunidade total do fato, enquanto o inescusável exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei (excepcionalidade do crime culposo).
Como no caso de Bernardo e Alice o agente somente praticou o ato de conjunção carnal, por ter crido que a vítima tinha alcançado a maioridade e que fatos, como estar no show de Los Hermanos em uma casa noturna (situação que seria possível apenas com uma idade mínima de 18 anos), o levaram a pressupor isso, Bernardo não praticou crime.
Nesse sentido o TJSC decidiu:
Réu que manteve conjunção carnal com adolescente de 13 (treze) anos e 5 (cinco) meses de idade. Relacionamento entre ambos de pouco mais de 1 (um) mês. Menor com aparência física desenvolvida, que já havia tido experiência sexual com outrem e que afirmou ao acusado ter idade superior. Conjunto probatório a revelar que o réu não tinha ciência de que ela possuía idade inferior a 14 (catorze) anos antes da prática do ato. Erro de tipo vencível configurado (art. 20, caput, CP). Dolo excluído. Crime não punível a título de culpa. Conduta atípica. Absolvição mantida (TJSC, AC 2011.062081-3, Rel. Des. Newton Varella Júnior, j. 18/7/2013) ”.
Da mesma forma o TJSP:
“Estupro de vulnerável – Recurso defensivo – Absolvição pretendida – Procedência. Réu que negou ter conhecimento da idade da menor. Relação sexual consentida entre a vítima e o acusado. Testemunhas dando conta de que a ofendida aparentava ter mais idade do que realmente tinha. Inexistência de efetiva lesão ao bem jurídico tutelado. (TJSP, AC 21683320078260453, Rel. Salles Abreu, Dje 9/8/2012)”.
Conclui-se, então, que nos casos em que se demonstrar que houve erro plenamente justificável pelas circunstâncias, é possível que o fato seja considerado atípico.
REFERÊNCIAS
GRECO, Rogério. Código penal comentado. 9. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado.14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
MASSOM, Cleber. Código penal comentado.2. ed. São Paulo: Gen-Método, 2014.
Fonte: JusBrasil
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