‘Se o impasse se prolongar, o Brasil é que sofrerá’, diz presidente da OAB ao Estadão

Brasília - Confira a entrevista do presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, publicada na edição deste domingo (28), do jornal Estadão.

No começo da noite da quarta-feira passada, entre um chimarrão e outro trazido pelo garçom, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, vivia, em seu amplo e movimentado gabinete, a forte emoção de comandar um segundo pedido de impeachment de presidente da República no período de um ano e quatro meses. “Ninguém em sã consciência pode comemorar um fato como este”, disse, em seu forte gauchês. “Eu lamento, me dói muito, mas a OAB tem que cumprir as suas responsabilidades.”

Na quinta-feira à tarde o pedido do Conselho Federal da OAB, respaldado por 25 votos a 1, foi protocolado pelo próprio Lamachia, e uma grande e animada comitiva, na secretaria da Câmara dos Deputados. Era o 13.º entre os que pedem o impeachment do presidente Michel Temer por crime de responsabilidade – cometido, segundo argumentam, durante a conversa com o empresário Joesley Batista, por este gravada. Todos os pedidos esperam uma decisão do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), forte aliado do presidente da República. Não está no horizonte que ele vá aceitar qualquer dos pedidos. “Se o impasse se prolongar, o Brasil é que sofrerá”, disse Lamachia. “O presidente da República está politicamente muito fragilizado.”

O presidente da OAB soube da gravação da conversa entre o empresário e o presidente Michel Temer no começo da noite do dia 17, uma quarta-feira. Estava em Maceió, na abertura da conferência estadual da OAB, quando mensagens instantâneas começaram a matraquear em seus dois celulares. “O presidente vai cair”, dizia uma. “O presidente vai cair”, dizia outra. “Fiquei muito apreensivo, até porque os fatos noticiados naquele áudio eram de extrema gravidade”, contou Lamachia. Cancelou a agenda em Maceió, voltou no dia seguinte para Brasília, e pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) o levantamento do sigilo das delações da JBS.

Depois da divulgação dos áudios de Joesley com Temer, convocou reunião extraordinária do Conselho Federal da OAB para o sábado, dia 20. Advogados do presidente compareceram, para fazer sua defesa. Mas a proposta do pedido de impeachment foi aprovada por quase unanimidade (só a OAB do Amapá votou contra). A seguir, entrevista de Lamachia ao Estado:

Por que os argumentos do presidente Temer – adulteração em parte do áudio, por exemplo – não lhe convenceram a esperar mais?

Não é que não me convenceram. É que confirmaram a gravidade dos fatos.

Como assim?

O presidente da República só contestou uma parte pequena do áudio – a questão de ter concordado com a mesada para o Eduardo Cunha (ex-presidente da Câmara, deputado cassado e preso pela Lava Jato em Curitiba), que negou. No mais, ele confirmou ou tornou incontroversos os fatos divulgados pelos áudios: que o fanfarrão ou delinquente, palavras dele, foi ao Palácio do Jaburu tarde da noite, que entrou com outro nome, que a audiência não foi marcada ou colocada na agenda, que o diálogo foi aquele, à única exceção sobre a mesada. O empresário nominou ao presidente uma série de crimes, o presidente nada fez, e parte desses crimes se revela verdadeira. Era mais do que o suficiente para a OAB se posicionar.

Renúncia o presidente já descartou, pedido de impeachment parece improvável, decisão pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o pedido de cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer pode ser protelada. Acha que o presidente pode conseguir arrastar o impasse até 2018?

Eu espero que não, para o bem do Brasil. Uma solução para todo esse impasse está no julgamento do TSE. Seria uma solução mais rápida para nós debelarmos a crise.

Mesmo nessa hipótese, que pode ir sendo protelada, o presidente poderia, diante de uma decisão pela cassação, entrar com um recurso ao STF...

No recurso ao Supremo o presidente teria que buscar um efeito suspensivo, que não é imediato. Se não obtiver o efeito suspensivo, teria, sim, que sair.

Mas existe a possibilidade de conseguir um efeito suspensivo.

A possibilidade ele tem. Ao natural, na ordem normal das coisas, o efeito suspensivo não vem. Ele teria que buscar. Vai depender de uma decisão judicial.

O presidente Temer argumenta, também, em prol de sua permanência no governo, que a economia começa a dar sinais de recuperação e que as reformas estão caminhando. Por que não convenceu o senhor?

Eu não posso aceitar que esses argumentos superem uma questão ético-legal. O ponto principal, neste momento, não é se a economia vai bem ou não, se nós temos condições maiores ou menores de fazer essas reformas. Nós estamos diante, a priori, conforme entendimento da OAB, de um crime de responsabilidade. Eu não posso justificar a não punição de um crime em função de uma reforma, ou da economia. A lei vale para todos – e deve ser cumprida.

O presidente disse que foi surpreendido pela posição da OAB, mas que a considerava legítima.

Uns podem criticar a Ordem por omissão. Outros, por falta de protagonismo. O que a Ordem fez, no caso do presidente da República, guarda perfeita similitude com o processo da presidente Dilma Rousseff.

O senhor chegou a dizer que não receberia um falastrão em sua casa. Houve ênfase do gênero no caso da presidente Dilma?

Foi uma frase que eu usei no contexto de uma entrevista coletiva, com o coração apertado, para expressar que estou decepcionado. O presidente Temer teve todas as chances para romper com esse padrão que nós temos hoje – e depois nós somos surpreendidos com tudo isso que está aí. O Brasil precisa encontrar uma nova maioria.

O que deve acontecer se houver um pós-Temer antes do tempo regulamentar?

Se o presidente for afastado o processo tem que guardar perfeita sintonia com a Constituição, sem ruptura. 

Pela Constituição Federal, haveria uma eleição indireta. Mas se discute, também, sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) das eleições diretas. O senhor é contra?

Não. Uma PEC criando a figura das eleições diretas, sem ruptura constitucional, para caso de vacância até seis meses antes do fim do mandato, pode significar um aprimoramento do sistema constitucional. Vou levar esse tema para debate dentro do Conselho Federal da OAB.

Fonte: OAB Nacional

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