Ex-ministro Paulo Bernardo está preso. Busca em apartamento funcional pode ser ordenada por juiz de 1º grau?
Muitos que exercem o poder (político ou econômico e, muitas vezes, os dois juntos), nas kleptocracias governadas pelas oligarquias/elites políticas e econômicas bem posicionadas dentro do Estado, supõem que, contra o patrimônio público, tudo podem, sobretudo, pensam que podem continuar se comportando como os invasores (conquistadores) da América (tais como Hernán Cortês, Pizarro etc.), que eram guiados pelo extrativismo, que significa um suposto direito de saquear a coisa pública, de roubar, de espoliar, de expropriar, de pilhar, de esbulhar, de despojar, de extorquir, de desapossar. É dentro do contexto de uma kleptocracia que temos que interpretar todos os crimes que estão sendo investigados pela Lava Jato e outras operações.
Foi preso preventivamente o ex-ministro Paulo Bernardo (PT-PR)…
Razão: suspeita de recebimento de propinas em contratos de R$ 100 milhões entre Ministério do Planejamento e a empresa Consist. Parte do dinheiro desviado supostamente também iria para o PT. Outras prisões aconteceram (incluindo vários empresários) e há foragidos. O ministro teria embolsado R$ 7 milhões. É o primeiro ex-ministro do governo Dilma a ser preso. Paradoxalmente, a empresa Consist foi contratada para “evitar fraudes nos empréstimos consignados” (em favor de funcionários públicos na ativa ou aposentados).
Por que a senadora Gleisi (mulher de P. Bernardo), que também está sendo investigada, não foi presa?
Porque a competência para prender quem tem foro especial no STF é dos seus ministros (não do juiz de 1ª instância). Outro motivo: para se prender parlamentar com foro é preciso uma situação de flagrância, inexistente nesse momento.
Pode haver busca e apreensão em apartamento funcional de senador ou senadora por ordem de juiz de 1º grau?
A polêmica já está no STF. Meu ponto de vista: se o investigado (sem foro) habita o local, sim. Casa de parlamentar não é esconderijo. Menos ainda se for imóvel público. Imóvel público não é refúgio. A imunidade parlamentar não é territorial (é funcional). A casa de um parlamentar tem as mesmas garantias constitucionais que a casa de qualquer cidadão do país. Assim funciona nos países republicanos. Se o foro é uma excrescência aristocrática (típica das kleptocracias), não vamos ampliá-lo interpretativamente. Se um computador ou algum documento apreendido incriminar o parlamentar, o que acontece? É como se fosse um depoimento em que alguém faz acusação contra um deputado ou senador: tudo deve ser encaminhado imediatamente ao STF (tudo que envolve parlamentar federal, vai ao STF). Não existe nenhum impedimento legal de a busca e apreensão ser feita na presença dos filhos do investigado.
O Senado está reagindo corporativamente. Até o líder do PSDB disse que abusos não podem ser cometidos. O Senado acha que buscas em casas de senadores só podem ser determinadas pelo STF (não por juiz de 1º grau). O que fixa a competência para a medida cautelar não é o local, sim, a pessoa que está sendo investigada. Se a pessoa vive no local, não há como bloquear a ação estatal de descoberta de crimes (desde que preenchidas as exigências constitucionais da inviolabilidade do domicilio). Mais: se a investigação é contra quem não tem foro especial, o STF não pode determinar nenhuma busca, sob pena de se violar o princípio do juiz natural.
Pode o investigado não ser conduzido coercitivamente?
Isso ocorreu com o ex-ministro Carlos Gabas. Ele disse que gostaria de exercer o seu direito constitucional do silêncio. A condução coercitiva é para situações em que o réu é intimado e não comparece (CPP, art. 260). Há polêmica sobre o tema (Moro tem outra interpretação). O STF ainda não dirimiu essa controvérsia. Mas o STF, na onda da Lava Jato ou nos últimos dias, está resolvendo muitas questões jurídicas. Vamos repassar várias situações.
O mundo conhece três tipos de nações…
As prósperas, as intermediárias e as fracassadas. Tudo depende da natureza e do funcionamento das suas instituições que impõem limites aos poderes. É o que se depreende das teorias institucionais defendidas por Douglass North (prêmio Nobel de Economia), Daron Acemoglu (MIT) e James Robinson (Harvard) (Por que as nações fracassam) e tantos outros.
O poder corrompe?
O historiador de Cambridge Lord Acton (1834 – 1902) escreveu: “O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Os países prósperos se distinguem pela imposição de estritos limites ao exercício do poder. Nos países fracassados os poderes não encontram limites. O Brasil ocupa posição intermediária (mas tanto pode progredir como regredir). Nossa luta tem que ser no sentido ascendente (para dar sequência à microrrevolução da Lava Jato). Mas o mundo é conturbado e muitos poderosos acham que ele é que deve se adequar aos seus interesses. O risco de retrocesso sempre existe.
Dilma podia nomear Lula como ministro da Casa Civil?
Nomeação com desvio de função não pode (disse o ministro Gilmar). A posse foi impedida por decisão judicial.
Moro podia gravar conversa de Dilma com Lula?
Não podia fazer isso (tema fora da sua competência). Teori anulou a gravação (ato praticado por autoridade incompetente não vale).
Cunha quis seguir um procedimento próprio para o impeachment de Dilma: não podia (o STF acabou fixando o procedimento). Cunha, sobretudo após o impeachment e com Temer no governo, se julgou acima de tudo e de todos. Foi afastado das suas funções parlamentares pelo STF (por ter ultrapassado todos os limites imagináveis). E por ter mentido numa CPI (sobre suas contas secretas na Suíça), muito provavelmente vai perder o seu mandato (deslocando-se para a jurisdição de Curitiba). Cunha manobrou exaustivamente para ser absolvido na Comissão de Ética, mas Tia Eron disse: “Aqui a política é diferente”.
Numa República, ninguém pode ter poderes ilimitados. Nem sequer os poderes fáticos (o econômico, por exemplo) podem ser ilimitados. Esse foi o recado que o STF passou quando admitiu a execução provisória da pena logo após a sentença condenatória de segundo grau. Os poderosos postergavam a certeza do castigo com pródigos recursos. O poder absoluto corrompe absolutamente. Nem o mais poderoso de todos os empresários brasileiros (Marcelo Odebrecht) está fora da regra. Não pode anular provas dos seus crimes. Isso dá prisão (que nenhum tribunal se atreveu a revogar).
Com a força do dinheiro a plutocracia “comprava” os mandatos dos parlamentares, financiando suas campanhas eleitorais (o caso da Odebrecht é extraordinariamente escandaloso). Essa possibilidade já não existe (por decisão do STF). O financiamento empresarial acabou (e se for feito em caixa dois é crime). Delcídio e seus comparsas tramaram uma rota de fuga para Cerveró: foi preso em flagrante pelo STF (juntamente com um banqueiro).
Todos os poderes possuem suas fronteiras. Na medida em que seus limites vão sendo definidos, a solução dos conflitos se torna previsível. Isso significa segurança. E segurança é importante para todos (porque então se sabe o que se pode e o que não se pode praticar).
Janot supôs que cabia a prisão de Sarney, Renan e Jucá: o STF disse claramente que essa situação não se confundia com a do Delcício. Mais: nem tampouco com a do Cunha (afastamento). Cada caso é um caso. E o STF não impôs esse esclarecimento porque recebeu telefonema de Sarney, sim, porque agiu com independência. Janot se equivocou redondamente.
A Justiça brasileira ainda falha muito, mas está cada vez mais distante da “ditadura” proclamada pelo velho e jurássico cacique do PMDB (Sarney), porque seus atos são públicos e fundamentados (mais facilmente controláveis). Claro que ainda há abusos (as persistentes e loquazes declarações de parcialidade do Gilmar Mendes, por exemplo). Mas em breve alguém vai colocar no seu pescoço o guizo da Loman (Lei Orgânica da Magistratura). Renan está com denúncia pendente no STF há mais de 1.200 dias: isso é uma barbaridade incomensurável (que prontamente precisa ser sanada).
Renan Calheiros, em represália a Janot (PRG), está tramando o seu impeachment. Não tem base para isso. Ficará exclusivamente ao lado de Collor e de ninguém mais. Hoje não há evidências para o impeachment de Janot. Os combativos e atuantes procuradores da força-tarefa da Lava Jato podem contribuir muito para a reforma política, mas não podem achar que eles vão impor a reforma (ver Vinicius Mota, Folha). Essa tarefa é da sociedade civil, que tem poderes para se impor (e se sobrepor) ao falido sistema político-eleitoral.
Por meio de plebiscito, seguido de lei confirmadora obrigatória, muita coisa o povo pode decidir: fim da reeleição, diminuição do número de parlamentares, fim das mordomias, fim das coligações partidárias, cláusula de barreira, fim da nomeação presidencial dos ministros dos tribunais etc. Mas essa função, repita-se, é da sociedade civil. A microrrevolução gerada pela Lava Jato também tem seus limites. Não se reforma a política a partir das Cortes judiciais (que devem, no entanto, censurar e punir seus abusos).
Fonte: Jusbrasil
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