TRF-2 permite que homem doente obtenha pensão após 30 anos do falecimento do pai


O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) autorizou que um homem obtenha o direito de receber pensão do pai, um motorista do Ministério da Marinha, que morreu há mais de 30 anos. A resolução da Quinta Turma Especializada do TRF-2 julgou um recurso da União contra a decisão de primeira instância, que também permitia a pensão por morte ao filho, que sofre de esquizofrenia e foi interditado.  
  
Conforme informações do processo, o servidor morreu em 1964, quando seu filho tinha 16 anos de idade, e na ocasião a pensão por morte foi concedida em favor da viúva do servidor. Em 1995, os sintomas da doença resultaram na interdição judicial do filho do casal, e em 2009 a pensionista faleceu.

O Serviço de Inativos de Pensionistas da Marinha (SIPM) negou administrativamente a reversão da pensão em favor do filho do ex-motorista. O caso então foi parar na Justiça, e para se defender a União alegou que a incapacidade do requerente para o trabalho teria de estar caracterizada na data do óbito do servidor. No processo de interdição consta que o homem é solteiro, analfabeto e apresenta sérias dificuldades que limitam a sua convivência social e a inserção no mercado de trabalho, como comportamento extremamente nervoso e agressividade que excede a normalidade.

O relator do processo no TRF-2, desembargador Aluisio Mendes, explicou que a esquizofrenia envolve fatores genéticos e ambientais, por isso é difícil determinar o início da manifestação da doença. Ele destacou que no caso de enfermidades que se desenvolvem ao longo da vida do paciente, é possível dispensar a exigência de comprovação de sua preexistência na data do óbito do instituidor da pensão, inclusive em razão do caráter alimentar do pedido.

Segundo o relator, é possível concluir nos autos tratar-se de uma hipótese de mitigação da exigência de comprovação da invalidez anteriormente ao óbito do instituidor do benefício, até porque o genitor do autor faleceu em 1964, quando o mesmo, nascido em 1948, contava 16 anos, idade apontada pelos médicos como termo inicial de uma possível manifestação de algum sintoma, sendo estes mais evidenciados, para o sexo masculino, entre 20 e 25 anos de idade.

Para o advogado Dimitre Braga de Carvalho, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM/PB), a decisão é extremamente complexa e controvertida. “Antes de qualquer coisa, é necessário dizer que se trata de mais um caso de forte interdisciplinaridade entre o Direito de Família e o Direito Previdenciário. Casos dessa natureza exigem uma postura proativa do magistrado, sobretudo para reconhecer e aplicar os princípios constitucionais que estão diretamente relacionados com os direitos do filho maior inválido, sobretudo a prioridade de atenção para os incapazes e a dignidade da pessoa humana”, afirma.

Dimitre Braga explica que na decisão judicial ficou estabelecido que a doença do filho maior, a esquizofrenia, não tinha um momento exato de início de sua manifestação, pois decorre de fatores genéticos e sociais, não sendo possível afirmar se realmente o filho já era portador do distúrbio ao tempo da morte do genitor. “A decisão é de significativa importância porque existem, em todo o país, inúmeras pessoas em situação idêntica e que, via de regra, tiveram a reversão da pensão por morte negada pelo INSS, tomando por base a inexistência, naquele então, de comprovação da existência de doença que, por suas peculiaridades, somente viriam a se manifestar em momento posterior. Existe uma forte tendência judicializante no Direito de Família (e também no Direito Previdenciário) que tem autorizado os magistrados a exarar decisões que, muitas vezes, contrariam frontalmente as normas legais em vigor. Em alguns casos (como na presente decisão), isso é bastante interessante e positivo, e em outros, nem tanto. É preciso dizer que toda cautela é necessária quando se decide em sentido diametralmente oposto ao que está previsto em lei. Por essas razões, se faz necessário um aprofundamento da intrincada questão da judicialização no atual momento do Direito no Brasil”, disse.

De acordo com o advogado, existe uma tendência na jurisprudência brasileira no sentido de mitigar, em certos casos, o momento exato da decretação de invalidade, por se tratar de matéria com fortes discussões, tanto no campo do Direito quanto no da Medicina.  Dimitre esclarece que o processo de concessão da pensão por morte é regulado, dentre outras normas, pela Lei nº. 8.213, de 24 de julho de 1991, pelo Decreto nº. 3.048, de 6 de maio de 1999, e pela Instrução Normativa nº 45, de 06 de junho de 2010. “Em linhas gerais, o processo cinge-se em torno de dois aspectos base: a verificação da existência de doença incapacitante irreversível no dependente e o caráter alimentar dessa pensão. Ou seja, busca-se demonstrar, ao longo do processo, que, a despeito de a manifestação da doença não ter ocorrido nos prazos estabelecidos pela legislação, sua origem provável se deu dentro dos parâmetros permitidos pela lei e que a manutenção do dependente decorre, exclusivamente, desse benefício. A doença, no caso em tela, impede completamente que o beneficiário exerça qualquer atividade laborativa. Cabe lembrar que a Previdência Social no Brasil enfrenta graves dificuldades financeiras, e por essa razão existe uma tendência para que, administrativamente, a lei seja cumprida de maneira muito rigorosa e impessoal. Assim, o processo de concessão de pensão, em casos como este, precisa comprovar a necessidade do beneficiário e a plausibilidade das alegações sobre o momento de decretação da incapacidade do doente”, argumenta.

O advogado ainda elucida que, via de regra, a reversão da pensão por morte é permitida para filhos, irmãos, cônjuges e companheiros do beneficiário, levando-se em consideração a invalidez ou deficiência incapacitante comprovada.  “A matéria envolve um conjunto complexo de situações previstas, sobretudo no artigo 77 da Lei nº. 8.213, de 24 de julho de 1991. Importante frisar que esta norma foi recentemente alterada pela Lei nº. 13.135, de 17 de junho de 2015”, completa.


Fonte: Assessoria de Comunicação IBDFAM com informações do TRF-2 (19/08/2015)

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